Os moradores de um dos mais nobres bairros da cidade aguardam há três anos o início das obras da área de lazer
Por Joanisa Prates
Ao andar pelas ruas desertas de Capim Macio, bairro nobre da zona sul de Natal, nos deparamos com residências, novos espigões rasgando o céu, ruas recém-asfaltadas pouco e mal sinalizadas, e algumas ainda de chão batido como era todo o bairro há pouco mais de cinco anos. Em uma dessas ruas, mais precisamente na Missionário Joel Carlson, por volta das 7 da manhã a maioria dos moradores sai para o trabalho, quase sempre no mesmo esquema: acionam o botão do portão eletrônico, dão a partida no carro refrigerado e seguem solitários rumo aos seus empregos. Aparentam manter pouco contato uns com os outros, no máximo um aceno discreto com a cabeça. Ao final do dia o ritual se repete.
Na manhã de 13 de novembro de 2008, o bairro acordou diferente. Um dia cinzento e chuvoso recepcionou as motosserras que a Prefeitura da cidade utilizaria para devastar a última área verde do bairro, visando a construção de um reservatório de detenção de águas da chuva, conhecido por lagoa de captação, que teria cerca de 3.600km². Nesse dia, moradores que não se falavam e talvez nunca tivessem se visto, se juntaram por uma causa em comum: preservar e proteger aquela área, que poderia servir como mais uma opção de lazer e claro, manteria o frescor do bairro que a cada dia está mais verticalizado. A área em questão era uma chácara que pertencia a família Pignataro, que preservou em sua propriedade árvores nativas da região como mangabeiras, cajueiros, ipês, e outras espécies.
Telma Romão, 48, é arteterapeuta e moradora do bairro há dez anos. O apartamento em que vive é localizado na Joel Carlson, bem em frente a área verde. Ela conta que sempre contemplou de sua janela aquelas árvores detrás dos muros da chácara Santa Emília e lembra: “Eu ficava me imaginando lá dentro, debaixo daquelas árvores frondosas e acolhedoras, lendo, descansando, dançando. E quando ficamos sabendo, eu e a Mila (filha) que iam colocar aquilo tudo abaixo, tínhamos certeza de que alguma atitude precisava ser tomada, mas não imaginávamos as proporções disso tudo”. O dia em questão chegou, e o resultado foi uma mobilização da comunidade em parceria com o Ministério Público e outros movimentos ambientais da cidade, para que as obras fossem embargadas. “Era o desejo de preservar que nos movia”, declarou Telma.
Com as obras embargadas, o movimento comunitário cresceu e ganhou atenção da mídia local. Os moradores invisíveis do bairro passaram a servir de exemplo. A área da lagoa de captação foi reduzida e as árvores da antiga chácara, preservadas. O próximo passo foi a definição de um projeto para o que ficou conhecido como Parque de Capim Macio. A luta repercutiu tanto, que dois projetos surgiram e a prefeita eleita naquele ano, Micarla de Sousa, comprou a causa e destinou 1,5 milhão para a construção do parque, que seria referência nacional.
Dois anos e meio se passaram, e pouca coisa mudou. O que existe de concreto são as paredes da lagoa, a calçada mal acabada, uma cerca que não protege e nem afugenta, lixo, prostituição e drogas. Telma está indignada e frustrada com a negligência do poder público. “A prefeita carrega a bandeira do Partido Verde, mas pelo contrário, foi uma decepção enorme”. Quando questionada sobre o que vê hoje ao olhar pela janela, responde após um breve silêncio: “É praticamente uma área de contemplação, pois não conseguimos utilizar o parque depois que cercaram pela metade. Não tem iluminação, nem limpeza. E está sendo mal utilizado por eles”, aponta se referindo aos travestis, prostitutas e usuários de drogas. “Quando a Prefeitura retira o direito da comunidade de cuidar do parque, é porque ela se compromete a fazê-lo, mas não foi o que aconteceu”.
Tázia Raquel, 34, mãe e diarista (como prefere denominar a profissão de profissional do sexo), faz ponto no local há quase 10 anos, e lembra quando funcionava uma chácara na área que está destinada a ser um bosque. “É o meu ponto, fico aqui na sombra das árvores, comendo frutas...”. A profissional diz sofrer discriminação pelo trabalho que faz e muitas vezes é comparada com pessoas que utilizam de má fé o espaço. “Usam drogas e fazem de motel. Eu não faço isso e muitas vezes sou confundida e acabo me tornando uma ameaça. Só estou aqui fazendo o meu trabalho”, declara.
Enquanto brinca com um gatinho que ronrona aos seus pés, Tázia afirma que quando o parque for frequentado pela comunidade o seu trabalho será prejudicado: “Porque o que eu faço não é bem-vindo. Eu vou ter que sair, ir embora daqui e procurar outra sombrinha pra mim”, constata, entre risos.
A última decisão que se tem notícia com relação ao Parque de Capim Macio, é da audiência realizada no Ministério Público no dia 20 de julho de 2010. A discussão, que definiria o início das obras, girou em torno do impasse entre prefeitura e comunidade sobre o projeto a ser executado, o que acabou provocando a paralisação das obras naquele período, e as consequências é o que constata-se ao final dessa reportagem: abandono total.